Fim de semana, mulher e filhos no sítio.
Argeu inventou uma desculpa e ficou em casa. Um fim de semana em paz pra si
mesmo. Discussões com a mulher, cobranças de filhos, barulho o tempo todo,
televisão com programas de que não gostava, sempre irritado, sempre reclamando.
– Um dia eu sumo daqui! Desapareço! Viro
fumaça! Puf!
A família até brincava com essas frases que Argeu
repetia à exaustão por toda a vida sem jamais ter criado coragem de se afastar
nem por um dia. Pelas costas se referiam a ele como o Doutor Puf. Com a família fora, Argeu teria dois dias só pra
ele. Dois dias em que ele bastaria a si mesmo.
Mas isso não durou nem mesmo o primeiro dia.
A noite chegou, o silêncio entristecia, não ter o que fazer deprimia, não haver
com quem conversar oprimia, nenhum motivo pra rir ou pra implicar aparecia. Foi
se deitar. Insônia. A cama era grande demais só pra ele.
Ouviu o barulho. Uma porta bateu. Não sabia
definir se havia sido em outro apartamento ou na sala. Tinha certeza de que
havia fechado todas as portas antes de ir se deitar. Levantou-se, ainda no
escuro, um tanto assustado e bateu a perna no móvel de cabeceira que se
arrastou por alguns centímetros.
– Porcaria de movelzinho inútil – disse em
voz alta, quase contente por ter com o que implicar.
Antes de abrir a porta do quarto, arriscou:
– Quem está aí?
Vagarosamente, com a coragem própria de
alguém que está sozinho em uma casa às escuras, abriu a porta do quarto e olhou
para o corredor. Teve a impressão de vislumbrar, em meio à escuridão, um fio de
névoa no ar, como uma pequena fumaça de alguma coisa que estivera ardendo e se
consumira rapidamente.
A curiosidade surgiu como a irmã maior e mais
forte da pequena coragem e ele atravessou o corredor que terminava na sala. À esquerda,
a porta que levava à cozinha. Lá havia outra porta, no lado oposto, dando para
a área de serviço. Na outra ponta do corredor ficava o interruptor que, depois
de acionado, trouxe luz ao ambiente e um corpo mais robusto para a coragem.
Olhou de volta pro corredor e não viu nem sinal da tal fumaça. Talvez uma impressão
causada pela visão prejudicada com a falta de iluminação.
Atravessou a sala, abriu a porta da esquerda,
passou pela cozinha, abriu a porta da área de serviço, sempre acendendo luzes.
Olhou tudo e não notou nada de diferente. A curiosidade foi se encolhendo
enquanto a coragem tomava corpo.
– Que bobagem. Claro que foi a porta de outro
apartamento que bateu. Amanhã vou falar com o síndico sobre esse pessoal barulhento.
Voltou apagando luzes. Chegou ao corredor,
apagou a última luz e, nesse instante, percebeu que havia esquecido de fechar a
porta da cozinha. Antes que ele pudesse se virar, o vento empurrou a porta que
bateu com um estrondo.
No momento seguinte ouviu um barulho vindo do
quarto. Como se um móvel pequeno tivesse sido levemente arrastado. Ouviu uma
voz distante dizendo “Porcaria de movelzinho inútil”. Deu ainda um passo
instintivo no corredor e ouviu a mesma voz, uma voz mais próxima, uma voz atrás
da porta do quarto, uma voz bem familiar, sua própria voz: “Quem está aí?”
A porta começou a se abrir mas Argeu sabia
que não veria mais nada. No instante seguinte, veio a certeza de que, antes que
a porta se abrisse, Argeu deixaria de ver, sentir, pensar qualquer coisa...
Em seguida... Puf!
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