Festa cristã.
Não sou lá muito cristão, embora, sendo brasileiro, tenha uma formação
compulsória mais ou menos baseada no cristianismo. Por aqui, todos sabemos, até
ateu diz “Graças a Deus”, curte um presente de Natal e adora um ovinho de
chocolate na Páscoa. Sem contar o fato de que ninguém se queixa dos feriados
prolongados que o laicismo de mentirinha proporciona a todos nós.
Mas mesmo sem
ser um praticante, culturalmente sei de datas, fatos, histórias, lendas. E me pego pensando em coisas ligadas a tudo isso durante o tríduo
Endoenças-Aleluia-Páscoa.
Época de
renovação. Época de revitalização, palavra com significado óbvio de reviver,
ressuscitar, fazer voltar a vida perdida e voltar à vida quem a perdeu.
Simbólico, claro. Ninguém vai sair por aí levantando mortos e criando um
apocalipse zumbi. Mas é possível revitalizar tantas outras coisas!
Na semiótica da
chamada Semana Santa temos uma ordem das coisas. Primeiro Endoenças, período de
indulgência, de perdão, de limpeza de desavenças passadas. Em seguida Aleluia,
dia de alegria, de cânticos e glorificações pelo ressurgimento que há de vir,
seja do que for. Mesmo que a cultura popular tenha convertido esse dia em
simplesmente “Dia de Malhar o Judas”. E, finalmente a Páscoa, o dia da
ressurreição, dia em que tudo se renova, revitaliza, revigora, ressurge para reiniciar
direito, talvez desta vez dê certo, quem sabe começando de outro jeito a gente
faça funcionar. Seja o que for.
Neste momento penso se não devíamos aplicar essas ideias em qualquer coisa. Se o
caminho para que algumas coisas se acertem não passa exatamente por aí.
Por exemplo.
Tenho uma ideia
do que é certo. Arrebanho um grupo que compartilha das minhas convicções e das
minhas intenções. Começamos a botar em prática o que achamos certo. Com isso
assumimos um comando que até o momento ninguém tinha, uma vaga a ser preenchida
na elaboração do Certo. Mas todo mundo sabe que não existe O Certo. Quando
muito existe UM Certo. O meu é um. Outras pessoas podem não achar que o meu
certo seja O Certo. Não são pessoas más. Não são pessoas vis. Não são menos do que
eu. Só pensam de maneira diferente. Mas eu estou no comando. Eu e meu grupo
temos certeza de que sabemos qual é o único Certo e consideramos qualquer
oposição uma afronta não a nós mas ao Certo. Uma ilegitimidade. E isso não pode
continuar. Começamos a penalizar os opositores. Eles, por sua vez, se achando
certos, mas sem o poder de comando do meu grupo, sentem que só lhes resta a
guerrilha, minar o grupo oposto, reclamar, xingar, fazer oposição velada pra
não sofrer consequências. Meu grupo, por sua vez, se sente ultrajado por estar
sendo traiçoeiramente difamado por gente que não quer que O Certo vença. E essa
batalha subterrânea pode durar anos, décadas!
É aí que entra
meu pensamento no tríduo. Endoenças, ou seja, Indulgência. Bom período pra
todos pensarem em serem mais indulgentes. De todos os lados. O grupo opositor
pode exercer essa indulgência apagando mágoas, deixando de lado pequenas
ofensas, esquecendo que o outrora amigo fez isso ou aquilo com ele. O amigo não
fez com ele. Fez em nome de um Certo que ele acredita ser único. O meu grupo
hipotético, o do comando, pode se mostrar indulgente com uma atitude grandiosa
que pode até ficar bonita na foto final: anistia! Afinal, tudo saiu como eu
encaminhei, o grupo que se opunha a mim e que agiu de um jeito que eu tinha
decretado que era O Errado não prejudicou nada, não impediu nada, não evitou o
final. O Poder exercido pra ajudar, pra dar a mão, pra elevar é mais respeitado
do que o poder exercido pra massacrar, castigar, devastar.
Mágoas
esquecidas, supostos males anistiados, acabou o período de Endoenças. Podemos
entrar em tempo de Aleluia, festivo, com todos participando da festa pra, em
seguida, começarmos uma Páscoa, uma renovação, uma ficha limpa pra ser
preenchida por todos e cada um com novas atitudes. Novos acertos e novos erros.
Mas que seja tudo novo!
Ressurreição
já!
Nenhum comentário:
Postar um comentário