Aí o cara diz:
“Não concordo com nada do que você pensa. Mas tenho muito respeito por você”.
Mentirinha!
Ora, se um
indivíduo não concorda com outro é porque acha que o outro está errado. Se o
outro está errado, com certeza o que ele está dizendo é uma bobagem frente ao
que o primeiro acha que é o certo. E como é que alguém, em sã consciência,
respeita uma pessoa que está sempre errada e só diz bobagens?
Ele faz seu
número de alta nobreza e complacência com alguém que julga inferior, já que diz
coisas erradas na frente dele, logo Dele, que sabe quais são as coisas certas. Ele
alega respeito.
Mentirinha!
Em seguida, sem
dúvida, ele vai pra junto dos seus, aqueles que compartilham de sua segurança
de que detém todas as respostas e que, como já dizia a antiga personagem, só
abre a boca quando tem certeza. Afinal, isso é natural em todos nós. Não faria
sentido convivermos o tempo todo com gente que discorda, com antagonistas. Adoramos
fazer o discurso de que o bom é a multiplicidade de idéias, de que acreditamos
que da discussão nasce a luz.
Mentirinha!
Só formamos
grupos, tribos, turmas, redes sociais com pessoas que pensem exatamente do
jeito que pensamos. Ou que, pelo menos, aleguem isso. Melhor ainda quando dizem
que pensam o que pensamos não porque realmente pensam daquele jeito mas porque
estão convencidas de que o que pensamos é que é bom.
Ele vai pra
junto dos seus, dizia eu. E lá, claro, vai comentar o encontro com o outro, vai
contar como o outro estava enganado, o quanto tentou fazer com que o pobre
coitado visse a luz, vai detalhar o tanto que se esforçou para que o infeliz se
bandeasse para o lado Bom, que, claro, é o dele e o dos seus. Todos vão fazer
cara de admiração por sua abnegação sacerdotal e depois vão balançar a cabeça
compungidos pelo pobre coitado que não viu o caminho do Bem. Eliminando
palavras escolhidas a dedo, o que vai acontecer ali é a boa e velha fofoca
sobre o outro. E ninguém faz fofoca sobre alguém a quem se respeita.
Mentirinha!
Na verdade o
nobre encaminhador de almas já conseguiu algum poder, nem que seja apenas moral
e, querendo ou não, assusta a pelo menos metade dos seus ouvintes. Eles têm receio
de discordar do portador do archote, não querem ser vistos como antagonistas de
alma tão nobre e dedicada que leva todos pela mão em direção à Iluminação.
Mesmo uns poucos que começam a pensar que ele talvez seja apenas um pavão,
lindas penas, pouco corpo e, lá embaixo, pés horrendos, mesmo esses evitam
atritos. Pensam para si e se calam. E fazem a mesma cara de admiração que os
admiradores de verdade fazem.
Mentirinha!
De mentirinha
em mentirinha vamos tecendo nossa sociedade. No fundo, é assim mesmo que tem
que ser. Se todos dissessem só verdades talvez não houvesse mais muita gente
viva pra discutir fome, veganismo, preconceitos, futebol ou ética.
Mas minha dose
de mentiras a serem ditas ou a serem mentirosamente aceitas não inclui o cara
que diz que “me respeita”. Esse, pra mim, exagera. Quem discorda de mim, por favor,
da próxima vez que me encontrar, só discorde. Não declare respeito. Não venha
com Voltaire. Voltaire, como todos nós, era um homem, um humano, portanto, um
mentiroso. Ninguém defende de verdade o direito de outra pessoa dizer coisas
com as quais não se concorda. E nem foi Voltaire quem escreveu isso e sim uma
biógrafa dele, outra mentirinha. De qualquer maneira, a frase é vazia. Se não
concordamos é porque achamos que está errado. Se está errado, é um mal. Se é um
mal, como se pode defender o direito de alguém fazer apologia ao mal?
Mentirinha!
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