O velho está
sentado perto da janela aberta. Segundo andar, frente pra rua. Cachimbo aceso,
olhando o movimento da rua, nada pra fazer. Perna direita com uma leve infecção
que não tem grandes consequências mas o impede de andar por alguns dias.
Portanto, não pode ir trabalhar. Não há nada a fazer, a não ser tomar um “sol
de janela” como ele costuma dizer. Lá na rua passa um rapaz em uma bicicleta e
cria uma leve inveja no velho. Ele adoraria poder descer e pedalar um pouco.
Mas não pode mover a perna.
O ciclista, ao
passar, olha pra cima e vê aquele homem sentado à janela, com um cachimbo aceso
na boca, um ar de vida ganha. Fica com uma leve inveja, já que está rodando com
aquela bicicleta desde a parte da manhã, fazendo entregas pra padaria para a
qual trabalha. Adoraria poder ficar sentado à janela em uma tarde de um dia de
semana, sem nada pra fazer.
O sem-teto vem
passando pela rua, descalço, com um saco às costas, dentro do qual há latinhas
vazias, pedaços de papelão, diversos materiais que, mais tarde, ele irá
transformar em alguns trocados com os quais talvez coma alguma coisa. Sente uma
enorme inveja do rapaz de bicicleta, arrumadinho, de tênis, despreocupado,
olhando pra cima. O sem-teto olha pra onde o rapaz está olhando e vê o velho de
cachimbo. Sente uma inveja maior ainda daquele homem que tem uma casa na janela
da qual ficar.
O menino de
seis anos que acaba de sair da escola, vem pela calçada de mão dada com a mãe.
Vê todas aquelas pessoas na rua, vê o velho na janela e, mesmo não sabendo
ainda que nome dar, sente uma pequena inveja de todos os que estão livres pra
fazerem o que quiserem, sem terem que ir pra escola, sem terem que fazer lição
de casa, sem terem que obedecer mães. Gente grande não obedece ninguém.
O sem-teto,
devido ao peso do saco que carrega tropeça e cambaleia em direção à calçada.
Quase cai em cima do menino que grita assustado. A mãe puxa o menino e os dois
acabam indo parar no meio da rua. O menino se agarra à mãe e enfia o rosto no
peito dela, com medo de olhar. O ciclista desvia da mãe e da criança mas acaba
esbarrando no sem-teto que o empurra fazendo com que caia do veículo. A mãe se
afasta de tudo levando o filho com o rosto ainda escondido nela, o ciclista
discute com o sem-teto que se levanta e não dá corda, simplesmente vai embora.
O ciclista volta pra bicicleta, dobra a esquina e desaparece. O menino, antes
de ir parar na calçada oposta ainda bem assustado, dá uma olhada pra cima e vê
o velho fechando a janela dando uma última baforada no cachimbo. Olha pra trás
e não vê mais ninguém. Apenas a rua vazia.
O velho comenta
com a família que um bêbado arrumou encrenca com um daqueles moleques que não
fazem nada na vida e passam o dia andando de bicicleta.
O sem-teto para
na esquina seguinte angustiado por não ter tido coragem de discutir com o
mauricinho de bicicleta. Mas o que ele poderia fazer? O moleque devia ser
filhinho de papai e podia fazer com que ele ainda fosse parar na cadeia só por
ter tropeçado.
O ciclista só
está preocupado em voltar logo pra padaria e fazer outras entregas, não tem
tempo a perder com nóias chapados de crack.
O menino passou
muitos dias contando sua grande aventura pros amiguinhos na escola. Estava
voltando pra casa com a mãe quando foi atacado pelo homem do saco em pessoa! A
mãe, que é poderosa, o salvou na hora em que o homem ia colocá-lo dentro do
saco. Um moço de bicicleta bateu no monstro e ele já ia levar o moço com
bicileta e tudo mas um velho bruxo que estava numa janela ali perto, soltou
fumaça do cachimbo e fez os dois desaparecerem pra sempre!
Por alguns
dias, o menino foi alvo da inveja de toda a turma!
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