quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

ANONIMATO


Certa vez uma amiga, bem intencionada mas não tão bem orientada, se referiu de maneira crítica ao fato de eu divulgar os trabalhos em que estou envolvido, tornando públicos os nomes das pessoas que o realizaram como dubladores, técnicos, tradutores, mixadores, etc.
É preciso explicar alguns detalhes internos quanto a essa divulgação.
Em nosso trabalho há contratos que assinamos com cláusulas sobre a execução, sobre remuneração e, em alguns deles, exigência de confidencialidade. Claro que essa tal confidencialidade se refere a não divulgar o que acontece no filme ou na série, uma proteção contra o que é chamado de SPOILER em português atual (que todos sabem ter origem anglo-saxã).
Gostaria que o paciente leitor tivesse isso em mente: nem todo trabalho que fazemos tem contrato, nem todo contrato tem cláusula de confidencialidade, nem todo contrato que tenha essa cláusula se refere à proibição de um dublador dizer publicamente “Eu dublei o ator Tal”. E, mais importante, esses contratos sempre aparecem semanas depois de termos terminado o trabalho. Ora, todo contrato deve ser, legal e moralmente, cumprido após sua assinatura mas antes de ele sequer aparecer não há nada que obrigue ninguém a cumpri-lo por dedução, por suposição, por alguém achar que o contrato talvez tenha a cláusula X ou Y.
Isso posto, quero lembrar que sempre foi essencial divulgar o trabalho de artistas. Artistas dependem de divulgação sempre. Cantores, escritores, pintores, atores, seja que tipo de artista for. Quando não há o tal contrato, só restou a opinião de algumas pessoas sobre o assunto e ela é tão boa quanto qualquer outra opinião. Acredito que foi aí que minha amiga caiu na orientação equivocada à qual me referi ao me cobrar por divulgar trabalhos meus e de colegas.
Eu sempre vou divulgar tudo o que eu dirigir porque tenho um grande respeito pelo elenco que participa dos trabalhos que fazemos e acho que não basta aquela listinha no fim do filme onde ninguém lê. Todo mundo já sabe, por exemplo, que Paul McCartney vai fazer um tio do Jack Sparrow no próximo Piratas do Caribe. Já sabe tudo sobre os próximos filmes de todos os super-heróis. Já sabe que Christian Bale voltará a ser o Batman. Já sabe que o Doutor de Doctor Who será uma mulher na próxima temporada. De onde saiu a brilhante idéia de que os dubladores devem ficar escondidos? Se me derem um contrato de confidencialidade, vou assinar e obedecer. Caso ele não exista, meu elenco sempre vai estar sob holofotes, que é o lugar de todo artista. Um quadrinho no Facebook ou um comentário no Tweeter nem é um holofote, é uma lanterna. Mas é melhor do que nada.
Na verdade não acredito que qualquer um, enquanto artista, não goste de ver seu nome em destaque nos trabalhos que faz.
Não faz muito sentido um artista sem divulgação!
Obedecer o tal contrato, quando ele existe, é uma obrigação que, por enquanto, temos que cumprir, sem alternativa. Mas apoiar essa idéia, transformá-la em uma coisa boa ou cumprir por antecipação, sem saber sequer se o contrato vai existir, é reduzir artistas de grande talento a uma condição inferior, é levar todos para décadas no passado quando ninguém do público os conhecia, quando não se sabia sequer de sua existência, um retrocesso que só atende a interesses de quem precisa que os artistas permaneçam desconhecidos, pequenos e submissos a imposições.
Concordar com essa idéia e até cobrar sua aplicação não é um sinal de posicionamento ético e de bem proceder. É só falta de posicionamento e inércia sem procedimentos. Ausência de ousadia. E o que mais se espera de um artista é ousadia. A quebra de paradigmas. A simples obediência é um comportamento vacum, um suicídio profissional e artístico.
Um artista anônimo é um artista morto.

Um comentário:

  1. Isso me lembra muito da censura alto imposta que foi marcada com o fim do regime militar em alguns jornais. Certos veículos continuaram censurando falar sobre o assunto mesmo após a queda, como se não pudêssemos falar abertamente de liberdade, para que o significado dela fosse menor. De certa forma, terminou sendo, infelizmente.

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