quinta-feira, 30 de março de 2017

DAR CERTO

        Uma vez comentei com um colega bem mais jovem que minha vida tinha dado certo. Ele, em vez de perguntar o habitual “Deu certo como?”, numa tradução literal dos filmes juvenis americanos que viu, pediu em português:
        - Defina “dar certo”.
        Comecei a enumerar as coisas que me deixavam feliz.
        Tenho 63 anos e me sinto saudável. Tomo minha cerveja, fumo meu cigarrinho e não estou com nenhum dos males normalmente atribuídos a essas práticas.
        Vivo da profissão que escolhi há quarenta e nove anos e ainda gosto do que faço. Me divirto fazendo.
        Estou numa boa posição profissional, agraciado com o respeito dos que importam, alvo de um pouco de inveja dos que não fazem muita diferença e a possibilidade de exercer o que faço aplicando tudo o que aprendi e pratiquei na vida com a liberdade de fazer como e quando quero.
        Tive a oportunidade de interpretar personagens fabulosos em teatro, em rádio, em TV e, principalmente, em dublagem de filmes e desenhos. De muitos deles tenho grande orgulho, de alguns tenho até ciúme, outros ficaram comigo e em mim para o resto da vida.
        Escrevi três livros que não venderam muito mas venderam. Ainda vendem.
        Tenho café da manhã, almoço, café da tarde e jantar todos os dias. Nem sempre faço todas as refeições, mas não é por não ter condições e sim por decisão ou por querer ganhar tempo pra outra atividade qualquer.
        Moro em um apartamento alugado. Poderia ter comprado um imóvel no decorrer da vida, mas continuei com aluguéis e ainda vivo assim sem grandes dores.
        Depois de algumas tentativas frustradas mas que foram me dando experiência e calejando o espírito, me casei com a mulher com quem continuo casado há trinta e quatro anos. Tenho três filhas adultas saudáveis, inteligentes, personalidades definidas, com quem divido prazeres, dores, alegrias, problemas, enfim, a vida. Essa filhas me deram seis netos com os quais vou dividindo paixão e babação de acordo com a época e com o momento e aos quais dedico cuidados de acordo com a necessidade.
        Tive muitos amigos. Hoje tenho poucos, só ficaram por perto os melhores. Alguns muito antigos, outros bem recentes. Mas os melhores.
        Vivi por bastante tempo, o que me deu calma pra minimizar alguns exageros, sabedoria pra encarar alguns problemas, compreensão e aceitação pra perdoar alguns defeitos dos outros e meus, tranquilidade de alma pra aproveitar o tempo em que ainda estarei por aqui.
        Enfim, acho que minha vida deu certo.
        Meu colega bem mais jovem sentiu vontade de demonstrar que eu não estava rico, que eu não tinha ido duas ou três vezes pra Nova Iorque, que eu não tinha o carro do ano, que eu não tinha ido estudar alemão em Berlim, que eu não conhecia Dubai, que eu não era um astro internacional sendo requisitado por Hollywwod ou mesmo um nacional procurado pela Globo. Eu sei que ele queria dizer tudo isso, mas se limitou a comentar:
        - Muito romântico.
        Eu já disse que ele era bem mais jovem, não? Mesmo assim, ou por isso mesmo, não consegui evitar um pensamento de velhinho: “Pobre geração”. 

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