Uma vez comentei com um colega bem mais
jovem que minha vida tinha dado certo. Ele, em vez de perguntar o habitual “Deu
certo como?”, numa tradução literal dos filmes juvenis americanos que viu,
pediu em português:
- Defina “dar certo”.
Comecei a enumerar as coisas que me
deixavam feliz.
Tenho 63 anos e me sinto saudável. Tomo
minha cerveja, fumo meu cigarrinho e não estou com nenhum dos males normalmente
atribuídos a essas práticas.
Vivo da profissão que escolhi há
quarenta e nove anos e ainda gosto do que faço. Me divirto fazendo.
Estou numa boa posição profissional, agraciado
com o respeito dos que importam, alvo de um pouco de inveja dos que não fazem
muita diferença e a possibilidade de exercer o que faço aplicando tudo o que
aprendi e pratiquei na vida com a liberdade de fazer como e quando quero.
Tive a oportunidade de interpretar
personagens fabulosos em teatro, em rádio, em TV e, principalmente, em dublagem
de filmes e desenhos. De muitos deles tenho grande orgulho, de alguns tenho até
ciúme, outros ficaram comigo e em mim para o resto da vida.
Escrevi três livros que não venderam
muito mas venderam. Ainda vendem.
Tenho café da manhã, almoço, café da
tarde e jantar todos os dias. Nem sempre faço todas as refeições, mas não é por
não ter condições e sim por decisão ou por querer ganhar tempo pra outra
atividade qualquer.
Moro em um apartamento alugado. Poderia
ter comprado um imóvel no decorrer da vida, mas continuei com aluguéis e ainda
vivo assim sem grandes dores.
Depois de algumas tentativas frustradas
mas que foram me dando experiência e calejando o espírito, me casei com a mulher
com quem continuo casado há trinta e quatro anos. Tenho três filhas adultas
saudáveis, inteligentes, personalidades definidas, com quem divido prazeres,
dores, alegrias, problemas, enfim, a vida. Essa filhas me deram seis netos com
os quais vou dividindo paixão e babação de acordo com a época e com o momento e
aos quais dedico cuidados de acordo com a necessidade.
Tive muitos amigos. Hoje tenho poucos, só
ficaram por perto os melhores. Alguns muito antigos, outros bem recentes. Mas
os melhores.
Vivi por bastante tempo, o que me deu
calma pra minimizar alguns exageros, sabedoria pra encarar alguns problemas,
compreensão e aceitação pra perdoar alguns defeitos dos outros e meus,
tranquilidade de alma pra aproveitar o tempo em que ainda estarei por aqui.
Enfim, acho que minha vida deu certo.
Meu colega bem mais jovem sentiu vontade
de demonstrar que eu não estava rico, que eu não tinha ido duas ou três vezes
pra Nova Iorque, que eu não tinha o carro do ano, que eu não tinha ido estudar
alemão em Berlim, que eu não conhecia Dubai, que eu não era um astro
internacional sendo requisitado por Hollywwod ou mesmo um nacional procurado
pela Globo. Eu sei que ele queria dizer tudo isso, mas se limitou a comentar:
- Muito romântico.
Eu já disse que ele era bem mais jovem,
não? Mesmo assim, ou por isso mesmo, não consegui evitar um pensamento de
velhinho: “Pobre geração”.