Talvez
houvesse o tal mundo paralelo, pensou Adriano. Como nos filmes, livros,
revistas. Um mundo igual ao nosso, com pequenas diferenças, no qual a quitinete
invadida onde morava não seria no décimo-segundo andar e sim no primeiro. Ou
talvez fosse no mesmo lugar, mas os móveis seriam outros. Pequenas diferenças.
Escritores
antigos escreveram sobre coisas que não existiam no tempo deles. Com o tempo
essas coisas foram sendo descobertas ou inventadas e se tornaram reais! A
energia atômica, o submarino, as viagens espaciais. E se os escritores de
agora, que “inventam” o mundo paralelo não estão inventando, apenas intuindo?
Adriano havia
desenvolvido uma teoria. Ele achava que em cada situação onde quase acontecia
uma tragédia, ela havia mesmo acontecido, só que em outro lugar. O sujeito
atravessa uma avenida e quase é atropelado. O carro passa raspando por ele mas
sequer o arranha. Na verdade, ele pensa que quase foi atropelado. Ele levou
mesmo a pancada do carro. Só que uma fração de segundo antes, sua consciência
foi transferida para o tal mundo paralelo, onde isso não aconteceu. E ele segue
sua vida.
Os amigos de
Adriano achavam maluquice, a teoria era furada porque, afinal, e o equivalente
que já estava no mundo paralelo, pra onde foi? Ele retrucava dizendo que o
“Sujeito Paralelo” vinha pra esta realidade e morria no lugar do outro. O
sujeito que foi pro outro lado e escapou sentiu o que ia acontecer uma fração
de segundo antes da batida. A sensação do perigo criou uma energia tão grande
em torno dele que abriu uma passagem por onde os dois trocaram de lugar. O
outro, o “paralelo” não percebeu nada. Essa foi a pequena diferença. Assim, o
outro veio no mesmo instante, uma fração de segundo antes, e recebeu a pancada
do carro. O “original” seguiu na direção contrária, chegou uma fração de
segundo depois, e o carro não bateu nele, passou raspando.
Fosse como
fosse, Adriano não conseguia parar de pensar que talvez houvesse o tal mundo
paralelo. Onde ele, por exemplo, dez anos antes, não tinha tomado um porre na
festa da empresa na qual trabalhava havia pouco tempo. Ele não teria saído de
lá com a moça bonita, desconhecida, que passara a festa toda provocando, se
insinuando, encantada com os cabelos vermelhos e os olhos verdes dos quais ele
tanto se orgulhava. Ele levou a moça pra casa, os dois se divertiram muito e
acabaram pegando no sono. No dia seguinte, Adriano perdeu a hora. Atrasado,
assustado, tentou acordar a moça. Ela resmungou, virou pro outro lado e não
acordou. Adriano ia chegar atrasado no emprego, o patrão iria descontar a
diária dele. A moça, meio dormindo, disse pra ele não se preocupar, ela
conversaria com o patrão e daria um jeito, já que o patrão era pai dela!
Adriano ficou
num dilema. O que seria pior? Perder a diária no trabalho ou deixar o patrão
saber que a filha tinha ido pra cama com ele? Adriano fez o que sempre fazia em
situações de confronto: evitou tudo. Simplesmente não apareceu mais no emprego.
Ninguém o procurou, mas não tinha recomendações para um novo emprego e não
podia alegar experiência na profissão, já que teria que declarar onde havia
trabalhado antes. Passou a viver de bicos. Um pequeno trabalho aqui, um
servicinho temporário ali. Com o que ganhava não podia mais manter a vida que
tinha, ainda que ela já fosse modesta. Chegou ao ponto em que estava, morando naquela
quitinete em prédio ocupado por invasão. Refeições, uma por dia. Guardava o pãozinho
e um pedaço da carne do prato feito do bar para fazer um sanduíche que seria
devorado frio mesmo na hora do jantar.
Mas o que o
fez pensar sem parar na hipótese do mundo paralelo foi o reencontro. Não foi
bem um reencontro, já que a mulher não o havia reconhecido quando se esbarraram
na rua. Mas ele sabia. Sabia que era ela. Dez anos haviam se passado, ela
estava um pouco mais velha, mas não tão magra, desgastada, acabada pelo
abandono da vida quanto ele. Ele sabia que era a filha de seu antigo patrão. E sabia
quem era a menina de uns nove anos de idade que estava de mão dada com ela. O
cabelo avermelhado e os lindos olhos verdes dela não deixavam qualquer dúvida!
Ele tentou sorrir. Tentou se aproximar. Mas a menina, ao ver aquele
desconhecido com ar sombrio se encolheu apavorada, se agarrou à mãe que,
rapidamente, se afastou sem ao menos olhar pra ele.
Os olhos
verdes apavorados da menina ainda estavam na sua cabeça enquanto subia pela escada
até seu apartamento invadido no décimo segundo andar. Continuavam no seu
pensamento quando ele se dirigiu para a janela. Quando se sentou no beiral e
olhou pra baixo, tinha várias coisas na cabeça. Os olhos da menina, a beleza da
mulher agora mais madura, a vida que poderia ter tido sendo marido dela, pai da
menina, genro do dono da empresa, o que teria sido sua vida se tivesse tido um
pouco mais de coragem.
Todas essas
coisas sumiram quando saltou no vazio em direção ao chão, doze andares abaixo. Durante
os poucos segundos que levou até chegar ao chão, só pensava no mundo paralelo,
no lugar onde o “outro ele” teria levado a vida que ele deveria ter tido.
Talvez fosse tudo verdade. Talvez um pouco antes de bater no chão ele fosse
arrebatado para o outro mundo onde tudo estaria bem. Talvez tudo aquilo fosse
mesmo possível.
Só no último
instante, uma fração de segundo antes de atingir o solo, é que ocorreu a ele a
possibilidade definitiva: talvez não!